quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

CARNAVAIS DESPERTADOS



    Foto: Carnaval no AFC-Sou o do meio de calça comprida e dedos em "V"


Olhando para o carnaval de hoje, lembrei-me dos carnavais da minha infância na cidade de Natal, no bairro do Tirol, lá pelos idos dos anos 70. Era a minha melhor diversão. Eu aguardava ansiosamente a folia de Momo chegar para, junto com os amigos da rua, molhar as pessoas e os carros que trafegavam pelo nosso pedaço. O bom mesmo era pegar um motorista desprevenido, com os vidros do carro abertos. Tínhamos baldes, latas, bombas de água (uma espécie de seringa gigante, feita de cano de água e um cabo de vassoura com sola de chinelo de borracha nas extremidades, que ao sugar a água, enchia o cano). Ficávamos em bandos nas esquinas, escondidos, esperando passar um carro para dar aquele banho. Quando o motorista parava o carro, depois de um banho exemplar, saíamos correndo desesperados com o coração aos pulos. Lembro-me de sair com meu pai de carro, e de longe enxergávamos os meninos nas esquinas escondidos. Tínhamos que ser rápidos nas manivelas dos vidros, pois eles também corriam em direção ao carro. Meu pai ficava enlouquecido se tomava um banho, descia do carro, gritava, xingava... Tinha que se dirigir naqueles dias de carnaval muito atento, porque as maiorias das ruas de Natal estavam repletas de moleques e adolescentes, ávidos para dar um banho em alguém que aparecesse. Era tudo tão saudável e cheio de adrenalina. Havia também os blocos que “assaltavam” as casas. Lembro-me da felicidade, quando a minha casa foi “assaltada” por centenas de foliões. Quando uma casa era “assaltada”, o dono tinha que dar bebida, comida, etc..., mas geralmente os “assaltantes” do bloco chegavam sempre munidos de whiskey e lança-perfume, todos “melados”. No nosso lar doce lar, foi uma alegria só. Meu pai se divertiu com toda aquela bagunça em casa. Minha mãe ficou enlouquecida de ter a casa invadida por dezenas de foliões famintos, embriagados e uma banda tocando nas alturas. Eu pirei aquele dia. Havia, ainda, a tal da lança-perfume, que representava o mistério, a transgressão em época de ditadura militar. Também rolava a tal da “loló”, mais “pesada”, à base de éter, clorofórmio e outras químicas mais. Era avidamente inalada nos banheiros dos clubes clandestinamente. A noite era só para os adultos. Eu frequentava as matinês do América Futebol Clube. Pulei muito carnaval na sede do alvirrubro natalense. Adorava recolher os confetes do chão para jogar de novo para o alto e ver cair na cabeça das pessoas e ficar grudado. As serpentinas voavam alto. No salão do clube, improvisávamos um longo trenzinho humano, que ficava rodando todo o salão lotado de gente “pulando” ao som daquela banda que soava os metais nas alturas. À noite, era a vez dos adultos. Meus pais se fantasiavam e se juntavam a outros casais amigos no clube. Era diversão garantida. A minha irmã mais velha, o namorado e a turma deles também não deixavam por menos. Toda a família pulava carnaval. Meu pai era sócio do América e eu também frequentava as piscinas do clube todos os domingos. Os carnavais passados, de clube e rua, tinham sua magia, seu encanto... Daquele período, trago boas recordações... mas não me tornei um folião. Ou será que existe um arlequim adormecido dentro de mim, esperando um dia despertar e cair na folia? Hoje quem acordou foram as recordações, lembranças dos meus dias de carnaval, quando não existia violência. Só paz, amor, alegria, o dedo em “V” e a minha inocência sobre o mundo e os desejos do corpo.

Carnaval de 2013
With a little help from my friends P.J.


quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Memorias em decoposição



Sonhei com Grandes e Velhas carcaças de barcos ancoradas na praia deserta, pedaços de sonhos, no porto solitário, vazio... Tudo é deserto e silencioso. Os barcos já se tornaram velhas construções, com suas madeiras esqueléticas apodrecidas pelo tempo, visito antigos barcos fantasmas, que um dia navegaram por aguas quentes e límpidas de um céu azul celestial e profundo. Busco alguns fragmentos de sonhos, restos de tesouros, assim é a vida: decomposição...

Alipio-Fev 2013

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

OVELHAS E BODES


Recentemente circulou na mídia, principalmente nas redes sociais do Brasil, notícia sobre um determinado pastor de igreja evangélica, o qual declarou que “ama os homossexuais como ama os bandidos’’, etc... Uma famosa apresentadora de TV respondeu que “quem segue um pastor desses só pode ter cérebro de ovelha”.  A partir dessa afirmação, me veio na lembrança uma coisa que eu sempre observei,  mas nunca escrevi: as pessoas ovelhas e bodes. As pessoas que eu denomino ovelhas são as que nasceram ou que trazem na alma o desejo de serem amestradas e que necessitam de alguém para lhes guiar. Essas pessoas se sentem iguais, compatíveis com os demais da sua espécie, repetindo padrões, comportamentos condicionados e acreditando em tudo que o seu fiel pastor lhe diz. Costumam sair um pouco do seu curral, mas logo em seguida, junto com o restante do rebanho, voltam para o seu cercado e esperam sempre obedecer as ordens. Não pensam, não criticam, não raciocinam... vivem para o rebanho conforme as leis do pastor do seu meio ambiente, geralmente transformado e estruturado para lhe trazer o conforto necessário para deixá-las tranquilas, sem ter que  pensar ou questionar... ”o senhor é o meu pastor e nada me faltará...” Assim, arrebanhadas coletivamente, seguem  felizes um padrão de vida que se resume em: comer, pastar, dormir, reproduzir e esperar o abate (geralmente do seu querido pastor). Pobres ovelhas, desconhecem as alturas das montanhas, os campos selvagens, os horizontes distantes. As pessoas ovelhas se contentam com o ...“crescei e multiplicai-vos...”, aumentando assim o rebanho. É lógico que no meio dessas ovelhas tem sempre aquela que detecta algo errado, mas não sabe o que é... como no filme “Matrix” em que Neo percebia algo diferente inconscientemente, intuição de que alguma coisa estava errado, que não se sentia bem seguindo o rebanho, não conseguia mais se encaixar no padrão... algo selvagem nela começa a incomodá-la. Normalmente chamam este tipo de criatura de ovelha negra. Esta pobre ovelha se torna estigmatizada, excluída do rebanho por se tratar de um ovino rebelde, diferente, problemático. As pessoas que eu denomino bode, são esquivas, não gostam de andar em bando, preferem a vida selvagem, a liberdade de explorar as mais altas montanhas, e de lá avistar o horizonte, e que sabem que a vida tem muitas estradas e montanhas e que cada terreno novo lhe traz a alegria de viver... sua liberdade, sua solidão não tem preço. Curioso é que as instituições que arrebanham, costumam utilizar como símbolo do mal, uma cabeça de bode... As pessoas caprinos, assim como a espécie animal, nascem com essas características na alma, com o instinto de sobrevivência nas mais remotas terras, e desenvolvem esse instinto com defesas para se proteger de qualquer predador (e pastor) enquanto que as ovelhas são os únicos animais na face da terra que não possuem instinto de defesa, ficam na base da cadeia alimentar . Assim, são as pessoas bodes, não aceitam ordens, gostam de fazer suas próprias escolhas, decidem onde ir e com quem andar... É lógico que não só ovelhas e caprinos andam neste planeta, temos também os porcos, os ratos, os cachorros... mas ai será uma outra história. Agora vou ler George Orwell e ouvir “Animals”, do Pink Floyd. Eita mundo animal.

Alipio Raposo – fev-2013